domingo, abril 17, 2011

Carta enviada ao jornal O Globo


 Carta enviada ao jornal O Globo sobre a matéria “Espera por tratamento psíquico chega a 4 meses”

Alguns esclarecimentos se fazem necessários diante da matéria “Espera por tratamento psíquico chega a 4 meses” publicada no dia 17/04/2010. Historicamente, o tratamento psiquiátrico centrado no hospital psiquiátrico convencional produziu exclusão, desassistência e institucionalização. Hoje entendemos que a internação é um momento transitório, de exceção, que deve sempre estar articulada a um tratamento de base comunitária, integrando os mais diversos equipamentos da atenção primária nesse processo – Estratégia de Saúde da Família (ESF), Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs). Isso não justifica espaços de internação precários. Pelo contrário, exige um investimento calculado, visando, ao mesmo tempo, uma oferta clínica que esteja sempre inserida na linha de cuidado integral em Saúde Mental, e também um deslocamento desses equipamentos para espaços mais adequados – leitos integrais em saúde mental em hospitais gerais, segundo a Política Nacional de Saúde Mental. Sendo esse deslocamento uma ação de saúde pública complexa e não imediata, há a necessidade de manutenção desses leitos psiquiátricos convencionais em condições de uso adequada. Para isso há um cronograma em curso para reforma das enfermarias do Instituto Municipal Nise da Silveira (IMNS). Em 26 de abril abriremos mais uma enfermaria reformada, que permitirá o fechamento da última enfermaria em condições ruins (citada na matéria do jornal). Há também um planejamento para a descentralização territorial desses leitos psiquiátricos, o que permitirá um cuidado mais qualificado, ágil e menos institucionalizante.
Referir-se ao Instituto Municipal Nise da Silveira como “Hospital Nise da Silveira” demonstra um completo desconhecimento e preparo mínimo da autora da matéria. Trata-se de conglomerado heterogêneo de unidades, com uma importância histórica no processo de reforma psiquiátrica nacional. O Instituto possui uma série de dispositivos e ações muito além dos leitos psiquiátricos enfatizados e visitados pelos membros da comissão.
Há uma série de atividades realizadas pelos pacientes dentro do complexo que compreende o IMNS, e no território, articulado com os 05 CAPS da Área Programática 3.2. Ações essas sempre visando à reinserção social desses sujeitos, respeitando sua individualidade independente do momento clínico em que estão. Os pacientes internados no Instituto beneficiam-se dessas atividades, que majoritariamente ocorrem fora dos espaços de internação visitados pela comissão. Para citar algumas das ações mais importantes oferecidas para os usuários: atividades de geração de renda; ateliês de pintura e modelagem do Museu de Imagens do Inconsciente; Bloco Loucura Suburbana; Roda de Samba e todas as atividades ligadas ao Ponto de Cultura.
Equivoca-se a matéria ao informar sobre pacientes amarrados. Não há pacientes amarrados, há sim um protocolo de contenção física que é aplicado em situações de agitação psicomotora, seguindo sempre a prescrição médica, uma avaliação diagnóstica, bem como supervisão constante. Havia 101 pacientes internados em 6 enfermarias no IMNS quando da visita, sendo apenas 03 contidos fisicamente.
            Sobre a alimentação, informamos que o quantitativo enviado para cada paciente nas enfermarias é baseado no estipulado em contrato e em uma dieta individualizada. Todos os pacientes são acompanhados pela equipe de nutrição do Instituto Municipal Nise da Silveira.         
Há um trabalho constante de modificação dos espaços internos de alguns dos prédios do Instituto, transformando-os em lares de acolhimento. Nessa direção, há um projeto em curso na Gerência de Engenharia e Obras da SMSDC/RJ para a implantação de um Serviço Residencial Terapêutico de alta complexidade a partir da conversão de um desses prédios hospitalares antigos. É importante enfatizar que alguns desses espaços asilares são resquícios de um período em que a assistência manicomial prevalecia no país, com espaços de exclusão como a antiga Colônia Juliano Moreira (atual Instituto Municipal Juliano Moreira) e o antigo Centro Psiquiátrico Pedro II (atual Instituto Municipal Nise da Silveira). Muitos desses pacientes retornaram para o convívio familiar, sem novas reagudizações que demandassem internações psiquiátricas. Contudo, uma parcela importante, após muitos anos de internação, perdeu suas referências familiares e sociais. Os CAPSIII, os Serviços Residenciais Terapêuticos e os leitos integrais em saúde mental em Hospitais Gerais, são fundamentais para a plena efetivação da desinstitucionalização desses cidadãos, sendo o único caminho para que não tenhamos mais pessoas morando em hospitais psiquiátricos.

Dr. Leonardo Araújo de Souza
Diretor Geral do Instituto Municipal Nise da Silveira

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